Quer estejamos a aprender, a sentir, a estudar ou a praticar Shiatsu, o factor tempo é indispensável e algo que não podemos abreviar ou condensar. Isto é verdade para todos os “Caminhos” (Do), quer sejam terapêuticos, artísticos ou marciais. A filosofia asiática ensina-nos que as técnicas não são meras repetições de gestos, mas um caminho que nos leva de nós ao outro e de volta a nós próprios. É assim que passamos da técnica para a arte e da arte para a espiritualidade. E, para isso, o tempo é muito importante!
Tempo para aprender
Os estudantes estão constantemente sedentos de conhecimento e descoberta. Tudo o que é novo é belo, como diz o ditado. Isto também me aconteceu, pode-se facilmente compreender a sensação estimulante de aprender algo novo assim que se encontra um novo professor ou quando se segue um novo curso. Em Shiatsu este sentimento é particularmente forte porque a experiência não é apenas intelectual, no nosso cérebro, mas também física, no nosso corpo. As teorias e a escolha da sua aplicação prática, as pressões manuais e as mobilizações articulares, todas combinadas com o trabalho com outra pessoa, produzem um prazer físico-intelectual que é verdadeiramente gratificante. Podemos cair na armadilha de querer sempre mais, mais frequentemente, mais rapidamente, mas seria um erro seguir os nossos desejos. Precisamos de apreciar, aprender como abrandar, temos de levar o tempo que seja necessário para nós.
Num curso regular, numa escola, o papel do professor é crucial em termos de gestão do tempo. Ele ou ela tem de ser o garante do ritmo de aprendizagem e, por vezes, abrandar os alunos, ensinando-lhes técnicas de diagnóstico mais profundas, subtis ou finas e exercícios físicos e sensoriais mais complexos. Isto requer tempo, muita escuta e muita repetição. Por que razão é este o caso? Porque na maior parte do tempo em Shiatsu, a lição é dada pelo corpo. Não é dada pela mente. As sensações devem ser repetidas regularmente para se tornarem um hábito. Depois, pouco a pouco vão infundindo os músculos, as células, até que um dia o cérebro possa pôr ordem e palavras no que o corpo experimentou.
Como principiante, parece que se pode fazer tudo isto muito rapidamente. Que professor não teve um aluno que fosse mais dotado do que os outros, capaz de progredir rapidamente. De facto por vezes recebemos pedidos para ler mais livros, para seguir dois anos num só, em suma, para acelerar o processo. Seria um mau serviço aceitar o pedido, pois iria saturar o cérebro e o corpo com demasiada informação. Mesmo que seja frustrante para algumas pessoas, deve-se seguir passo a passo o Caminho do Shiatsu que trará o que é necessário na altura certa. Se acelerarmos o processo de aprendizagem vamos ter um estudante que pensa saber tudo sobre tudo, sem ter integrado sensações suficientes. Isto irá resultar num praticante com pouca experiência inicial e que irá sentir desânimo ou pânico perante a complexidade dos casos que irão surgir, ou num ego demasiado cheio de certezas.
Se procurarmos na Internet podem-se encontrar cursos de Shiatsu “completos e profissionais” com a duração de alguns fins-de-semana ou mesmo dois anos. A tendência geral de fornecer cursos durante um período de 3 anos ou +/- 500 horas já é um pouco curta, pelo que menos do que isso parece ser um grande erro. Perguntem a um praticante com 20 anos de experiência se ele sente que compreende ou domina tudo o que faz. Longe disso. Portanto, acreditar que pode acelerar o processo de aprendizagem sem pagar as consequências mais tarde é um erro fundamental.
Na nossa sociedade de ritmo acelerado, onde se pode simplesmente pagar para que qualquer coisa nos seja entregue e assim obter tudo sem esforço, poderia pensar-se que o mesmo seria verdade para as artes asiáticas. Havia por isso boas razões para que tradicionalmente um aprendiz ficasse com o seu mestre no mínimo dez anos. O tempo necessário para aprofundar a aprendizagem e compreender as subtilezas de uma forma de pensar que não é a nossa, para sentir as flutuações de energia e tecidos corporais, leva anos e anos. A única boa maneira de aprender é sempre escolher o longo caminho, com paciência e humildade. Não é fácil…
Tempo para a prática
Depois de estudar chega o momento de praticar. Pelo menos no nosso sistema de estudo ocidental. A Escola Namikoshi Shiatsu em Tóquio, por exemplo, requer ambas ao mesmo tempo, com 2500 horas de aulas e prática. Se compararmos com o país europeu mais avançado em termos de número de horas de estudo, que é a Suíça com 850 horas, há ainda uma diferença de 1650 horas. Compreendemos assim o abismo que nos separa dos estudantes japoneses. Mas hei! Imaginemos que já somos competentes após os nossos estudos e que começamos o Shiatsu como a nossa única actividade profissional. Posso dizer que tudo ainda está por aprender.
Tudo está ainda por aprender porque cada caso que (vos )chega é um novo desafio. É claro que, após vários anos, serão encontradas perturbações e desequilíbrios recorrentes, mas isto está longe de ser uma regra geral. Não é sem razão que os professores nos repetem que os únicos verdadeiros mestres são os nossos pacientes. Porque cada caso é único e ensina-nos algo, mesmo quando pensamos ter dominado um assunto básico como as dores nas costas. Temos de passar pelo menos 10 anos a repetir gestos, a estabelecer intenções e a trabalhar os nossos pensamentos sobre o diagnóstico e tratamento oriental antes de nos sentirmos mesmo ligeiramente confiantes. A confiança é regularmente posta em causa por novos casos que não compreendemos ou porque descobrimos uma profundidade desconhecida num desequilíbrio. Por exemplo: pode-se ter muita prática no tratamento de dores nas costas, tem-no feito desde que começou a trabalhar, tornou-se uma espécie de rotina… até ao dia em que surge um caso mais complexo com problemas intestinais, stress emocional e um disco vertebral protuberante. A rotina foi quebrada. Tem que se procurar e estudar novamente.
Os japoneses têm uma expressão para o tempo de prática: tanren, ou a forja. São capazes de trabalhar 6 dias por semana, 8 a 10 horas por dia, 11 meses e meio por ano. O tempo total de descanso neste país é em média de 18 dias. Agora imaginem fazer Shiatsu a este ritmo. Fortalece-nos, força-nos a procurar formas de melhorar, de poupar energia, de encontrar força mental e de fortalecer o corpo para o fazer. Isto é a forja. “Mil vezes mais, voltará a pôr o seu trabalho em prática”, dizem eles. Aqui, estamos muito mais do que mil vezes.
A propósito, vamos fazer um pequeno cálculo para compreender o que isto representa: 365 dias por ano – 18 feriados – 52 domingos = 295 dias úteis. A uma taxa de 295 x 8 horas por dia = 2360 horas por ano. Mesmo que o praticante não preencha o tempo todo, esta continua a ser uma grande experiência por ano. Quem no Ocidente pode gerir mesmo que sejam só 1000 horas de sessões por ano? Não há muitos ocidentais que possam dizer isso. A experiência pode, portanto, ser calculada e podemos compreender melhor a noção de forjar o corpo, a mente e o saber-fazer.
Em neurociência, há estudos que referem que alguém se torna um especialista em qualquer coisa quando se ultrapassa 10.000 horas de trabalho sobre um determinado assunto. Se os Beatles eram tão bons, para além do seu génio musical, é porque antes de serem famosos, tinham tocado em Hamburgo (Alemanha) durante muito tempo em bares, todos os dias ou melhor, todas as noites. Tinham acumulado uma quantidade impressionante de experiência, cerca de 10.000 horas. Agora, façam os ( vossos ) seus próprios cálculos para ver se ultrapassaram as 10.000 horas de prática. Dependendo do próprio ritmo, isto representa um mínimo de 10 anos de prática para trabalhadores intensivos e até 15-20 anos para outros. Isto não significa que tenha de se esgotar em Shiatsu, mas tem sim de se ter em conta a realidade do tempo de prática, antes de se poder considerar “bom”.
Tempo para ensinar
Por vezes ouvimos falar de estudantes que querem ensinar e embora isto seja muito louvável, é preciso que passem ainda pelo tempo de “forja”, como acabámos de ver, antes de poderem considerar ensinar. Nos círculos de ensino (sistemas educativos nacionais) diz-se frequentemente que um professor deve saber sempre 10 vezes mais do que aquilo que ensina. Isto só é possível para pessoas que estão constantemente a aprender ao longo das suas vidas e acumulam muita experiência na sua prática. Caso contrário, há um grande risco de não saber como responder e de faltar profundidade nas respostas. Em Shiatsu, isto pode ser perceptível no primeiro contacto.No final, as pessoas que ensinam demasiado cedo, prestam um mau serviço a si próprias e aos seus alunos. A estes estudantes falta conhecimento e experiência suficiente de tratamentos de Shiatsu no corpo. Esta é também a pior publicidade que um professor pode fazer de si próprio, porque se uma reputação pode levar anos a construir-se, leva apenas muito pouco tempo a ser demolida.
O ensino é uma arte em si, que nada tem a ver com o domínio técnico do Shiatsu. Pode-se ser muito bom naquilo que se faz e ser completamente inútil em transmitir conhecimentos. Durante os tempos de escola, todos nós conhecemos este tipo de professor, aquele que nós adorávamos odiar. Assim, também é necessário ter formação em pedagogia, gestão de grupos, falar em público, dinâmica de aulas, o equilíbrio do ritmo de trocas entre teoria e prática, ensino de ética e deontologia, para não mencionar algumas noções úteis de gestão de finanças. Temas que nada tem a ver com o Shiatsu, que será “apenas” o conteúdo do curso. É claro que se pode aprender a ensinar enquanto se dá aulas, mas o que vai acontecer é que nos primeiros anos vamos ter alunos com uma formação deficiente. É uma escolha.
Mais uma vez, não vale a pena correr, apressar as coisas. É preciso levar o nosso tempo, pensar bem, treinar e estruturar os cursos antes de começar. Já para não falar no muito trabalho que temos que fazer em nós próprios. Esta é a única maneira de ensinar os estudantes que irão formar as futuras gerações de profissionais, que irão por seu lado representar nosso nome, o nome da nossa escola e do Shiatsu perante o público e as autoridades. O problema é que há pouca ou nenhuma formação para os professores de Shiatsu. Temos de demorar o tempo que seja necessário antes de nos declararmos professores.
Tempo para uma história
Há vinte e cinco anos, durante uma das minhas viagens à China, fiz amizade com dois bandidos, verdadeiros mafiosos, no sul do país. Ao cair da noite, tomámos algumas bebidas enquanto iam passando pessoas que os cumprimentavam antes de irem trabalhar: carteiristas, prostitutas, vendedores de rua, donos de restaurantes de rua, vigaristas de cartões e mahjong, e assim por diante. Ao falar com eles, descobri que ambos tinham sido praticantes de kung fu durante pelo menos 30 anos. Pedi-lhes que organizassem um combate amigável, quando dei por mim estava num caminho estreito entre dois campos de arroz e à minha frente estava um homem pequeno mas forte. Foram precisos apenas 10 segundos para que ele me atirasse a 4 metros de distância e para eu ficar com o rabo todo molhado dentro de um arrozal. Eu desatei a rir e ninguém ficou zangado, por isso a noite continuou. Depois os meus amigos fizeram-me uma demonstração de alto nível, como aquelas que se podem ver por vezes nos grandes festivais de artes marciais na Europa e eu dei-lhes os parabéns. Perguntei-lhes de seguida se alguma vez tinham pensado em ensinar. De repente, fez-se um silêncio gelado e os meus amigos ficaram lívidos. Um deles respondeu com uma voz trémula: “Mas nós não estamos suficientemente treinados. E se o nosso mestre descobrisse que estávamos a ensinar sem terminar o nosso treino, penso que ele seria capaz de nos matar com as suas próprias mãos”. O medo estava espelhado nos seus rostos.
Esta história permite-nos compreender a diferença de percepção do tempo e do nível entre um bom praticante no Ocidente e no Oriente. É por isso que as federações de Shiatsu ou de artes marciais argumentam que é necessário pelo menos 10 anos de prática profissional antes de se poder ensinar, porque é realmente um mini-mínimo. Não é possível ser credível a menos que se tenha pelo menos esta experiência. Pela minha parte, gostaria de acrescentar que são necessários pelo menos 8 anos de formação dentro de uma escola para começar a sentir-se legítimo na sua própria prática e encorajo todos os meus alunos a continuarem a sua viagem noutras escolas. Finalmente, em conversas que tive com diferentes personalidades japonesas e ocidentais, para as entrevistas que podem encontrar neste blog, todos eles referiram que são precisos 20 anos de prática para se tornar um especialista e 30 a 40 anos para se tornar um professor respeitável, daqueles que um dia são chamados “mestres”. Isto dá-nos tempo para amadurecer.
Boa prática no tempo do Shiatsu.
Autor
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